quarta-feira, 28 de julho de 2010
Recusa Apenas Lamentar A Morte.
"Meu grito em todos os gritos.Dor alheia doendo em mim." - Infinito Presente - Helena Kolody
Esperar pela morte sempre foi e sempre será algo doentio.Eu sabia.Meus pais sabiam.Todos sabem.
Mas era algo mais forte do que eu.Eu simplesmente não sabia como resistir à inevitabilidade do meu fim.Nem mesmo sabia se queria faze-lo.
Tudo me cansava e aborrecia.Até mesmo vovô volta e meia ouvia um desaforo meu.Teimoso e obstinado,vivia insistindo para que eu saísse do meu quarto e voltasse a viver,a ser eu mesmo.
-O senhor deve estar brincando-disse,em tom melancólico.
Noutra vez,eu praticamente o expulsei de meu quarto quando ele apareceu com um cartão de um psiquiatra que andava oferecendo acompanhamentos psicológicos para aidéticos e para portadores do vírus da AIDS.
-Eu não preciso de nada! - berrei.
-Eu só preciso que me deixem em paz!Paz,ouviu bem?Eu só quero paz,um pouco de paz!
-Porque você não para de ficar sentindo pena de si mesmo e cai na vida novamente,rapaz?-perguntou-Nada que você fizer ou deixar de fazer vai contar muito no que quer que venha acontecer.
Bati a porta na cara dele.O troco foi imediato:
-Farabutto!
Muitas vezes eu realmente pensei em deixar meu quarto.Ir além dos limites melanólicos e nervosos de minha casa.Descer a rua e correr ao encontro da vida-não importa quanto isso significasse em dias,meses ou anos- e de tudo que havia de bom naquela vida eu abandonara alguns meses atrás.
Sempre que eu pensava nisso,acabava desistindo.Era inevitável encontrar o temor e o constrangimento mal disfarçado da minha irmã,os sorrisos nervosos e os olhos chorosos de minha mãe, a curiosidade que algo se transformava em preconceito e hostilidade pelas ruas,no colégio,onde quer que eu fosse.Eu duvidava que tivesse força bastante para suportar tanto.Preferia a segurança e a solidão do meu quarto,ora folheando livros e revistas sobre o assunto,ora folheando os albúns com as lembranças de um passado que,a cada dia que passava,parecia estar anos-luz de mim.Uma quase irrealidade.
Nem sei quantas vezes disse para mim mesmo que o Mister Aventura estava morto e sepultado.Eu repetia e repetia e,quanto mais eu repetia,mais eu resistia aquela possibilidade sombria.De vez em quando, a vontade de retornar ao passado era tal maneira irresistível que eu saía de casa escondido,empurrava minha Sahara alguns metros rua acima e saía voando pela cidade.
Eu voltava antes que meu pai ou minha mãe acordassem.Evitava o temor nos olhos de Helô.
Sempre que papai e mamae apareciam no outro lado da porta,insistindo para que eu saísse,encontravam a mesma resposta:
-Eu não quero ter ninguém em minha consciência,mãe.Ou: - Eu sei muito bem o que me espera lá fora,pai.
No fundo,no fundo, era apenas medo.Não que eu nao me preocupasse em passar a doença para outra pessoa.Isso andava zanzando por minha cabeça dia e noite.Depois do susto que levei pensando que Laurinha estava infectada prometera para mim mesmo que me cercaria de todos os cuidados para não acabar infectando acidentalmente qualquer pessoa.
Era o medo e a vergonha,o temor de sempre presente de ser reconhecido e apontado nas ruas.
Eu poderia ter uma vida normal, basta tomar alguns cuidados- numa transada,colocar uma das várias camisinhas que meu vovô insistira em me dar,mesmo eu garantindo que não ia transar com ninguém.
Mas de qualquer forma, não conseguia sair do meu quarto.Os meus pais aceitaram mina decisão mas vovô não.
O velho patriarca da familia Parma andava de um lado para o outro louco de raiva.
-Aquele rapaz ainda não tem vinte anos!-berrava louco de raiva.
-Não deveria ficar enfurnado dentro daquele quarto,mas la fora,vivendo a vida.
-Que vida,pai?-Perguntava meu pai,um pouco cansado.
-Ele ainda não morreu,Fernando.Eu aindei lendo sobre a coisa e isso demora.Muitas vezes demora mais de cinco anos antes que os primeiros sintomas apareçam.
-Mas eles aparecem...-choramingou minha mãe.
-Vilma...E você acha que o garoto deve ficar esse tempo todo dentro daquele quarto esperando que eles apareçam?
Não demorou muito para ele aparecer na porta do meu quarto.Nenhuma das minhas razões para não sair o convenceu.O velho Mauricio Parma era realmente um osso duro de roer.Ele escasquetara que me tiraria daquele quarto e moveria céus e terra para consegui-lo.
Foi o que fez.
-Me deixe em paz vô!-gritei-Eu queria ficar sozinho.Se eu infectar alguém...
-Que infectar droga nenhuma,rapaz!Vamos abre logo isso ou eu...Eu vou arrombar essa porta!
-Eu abri porque sabia que ele realmente ia arrombar a porta.
Quando vovô entrou,recuei,preocupado.
-O que você tem,rapaz?Eu não mordo!
-Se disso vô...
-Então chega mais perto.Chega mais perto e me dá um beijo, como você fazia antigamente...
-Ahn,vô...
-Mas ,mas que história é essa de "ahn,vô"?Vem aqui e dá um beijo no seu avô.
-Olha,vô,eu realmente...
-Inesperadamente,vovô me agarrou pelo braço e me pxcou para perto dele com força.
-Não!!-Eu gritei apavorado.
Foi inútil.Antes que eu conseguisse esboçar qualquer reação,aquele velho louco estava beijando meus lábios.Quando me soltou,estava rindo-não sei se foi da própria loucura ou se foi da minha cara.
-Pronto,rapaz!Agora eu também estou infectado.Será que agora podemos conversar?
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